Ferrogrão: consolidando a invasão da Amazônia – Parte 2

Manifestação dos indígenas Munduruku contra a Ferrogrão. 
Uma nova Estação da Luz em plena Amazônia

Por Telma Monteiro, para o Correio da Cidadania
O consórcio EDLP – Estação da Luz Participações Ltda. foi escolhido para realizar os estudos da Ferrogrão ou EF-170. O diretor presidente da EDLP é Guilherme Quintella que representa os grandes do agronegócio. As tradings Amaggi, ADM, Bunge, Cargill, Dreyfus e EDLP são as sócias que custearam os estudos técnicos e de diagnóstico ambiental da ferrovia para a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT). Os investimentos estimados para construir a ferrovia beiram os R$12 bilhões.
O principal objetivo da EF-170 ou Ferrogrão é o de escoar os grãos (milho, soja e farelo de soja) através do corredor do centro-norte do Mato Grosso em direção ao norte do Brasil. Para isso estão previstos terminais de carga e transbordo em Miritituba (PA) com o apoio logístico da BR163 (em recuperação) e do sistema hidroviário com portos em Santarém (PA) e Santana (AP).
Como não consegui encontrar nenhum sítio eletrônico da EDLP, mas achei o telefone e o endereço da empresa, conversei com o senhor Guilherme Quintella que me atendeu prontamente para falar da Ferrogrão. Ele está convicto de que a construção da ferrovia poderá evitar maior ocupação da Amazônia e diminuir a pressão do agronegócio sobre a floresta. O escoamento da produção da soja por ferrovia, segundo ele, evitaria o impacto negativo que hoje se tem com a BR-163, e haveria a redução das emissões de poluentes do tráfego de caminhões. Segundo ele, uma das principais justificativas para a construção da Ferrogrão é a diminuição do custo do frete. 

Mais lucro para o agronegócio, seria um motivo que combina mais com o perfil do grupo interessado. Embora no projeto não esteja concebida nenhuma estação ao longo do traçado de Sinop (MT) até Miritituba (PA), nada impediria que, depois de concluída, fossem licenciadas estações ao longo do percurso. Novas áreas seriam desmatadas por grileiros para dar lugar ao agronegócio, único exclusivo beneficiário do empreendimento. A exploração minerária legal e ilegal se intensificaria, aumentando a pressão sobre a Amazônia.

E os impactos sinérgicos?

Em 1983 foram criadas unidades de conservação e a Reserva Garimpeira do Tapajós, na região do traçado escolhido para a Ferrogrão, paralelo à BR-163. É justamente aí que está localizada a Província Mineral do Tapajós, muito mais rica em ouro do que Carajás. Nada como uma estrada de ferro para ajudar a exploração minerária, considerando-se a facilidade de escoamento para o porto.

Para as mineradoras canadenses que são as operadoras dessa riqueza desde a década de 1950, seria uma barbada. Não se pode perder de vista o atual problema com uma mineradora canadense que montou uma grande área de exploração de ouro no rio Xingu, ao lado das obras da hidrelétrica Belo Monte.  Não bastasse isso, a exploração energética com os projetos e construções de hidrelétricas nos rios Teles Pires, Tapajós e Jamanxim, também estão em andamento. Só no rio Teles Pires já são três e uma delas, a hidrelétrica São Manoel está a poucas dezenas de metros de uma terra indígena Munduruku. O Ministério Público Federal (MPF) conseguiu liminar judicial que parou as obras.
Imagem ISA
Já na bacia do rio Tapajós está planejado um complexo hidrelétrico com sete aproveitamentos. O projeto da Ferrogrão conta com a construção desses empreendimentos para viabilizar a Hidrovia Tapajós-Teles Pires que garantiria, segundo os interessados, a integração desse conjunto multimodal para o escoamento da produção agrícola do Centro-Oeste para o porto de Roterdã e para a China. Ao mesmo tempo em que se dá a construção da ferrovia, conforme informam os estudos, será concluída a recuperação da BR163 para dar suporte à Ferrogrão.

No entanto, é preciso não esquecer que para a concretização desse super planejamento de integração que visa suprir a demanda de exportação de commodities agrícolas, está em jogo a integridade da Amazônia. Entenda-se que povos indígenas que ainda não foram consultados sofrerão mais uma vez impactos em suas terras próximas à Ferrogrão; unidades de conservação, rios e biodiversidade estariam em risco.

A exploração dessa região seria exponencialmente aumentada devida a ocupação induzida pelo conjunto de obras e interferências. Basta apenas a divulgação da iminência da implantação dos empreendimentos, sejam hidrelétricos ou ferroviários, para que a fluência migratória se transforme num êxodo que carrega consigo a grilagem, a exploração mineral ilegal, a violência e o desmatamento.

O Parque Nacional do Jamanxim, unidade de conservação criada em 2006, já sofre os impactos da BR-163 no sentido norte-sul. A importância dessa UC é tanta que é considerada uma “unidade-corredor”, pois liga o mosaico do Tapajós ao mosaico do Xingu. São mais de 17 milhões de hectares de áreas protegidas federais.

Então, é preciso questionar o porquê de mais essa interferência, de uma ferrovia, numa região já sabidamente importante para a conservação da Amazônia. Os estudos ambientais da Ferrogrão amenizam a importância dos impactos sobre o Parna Jamanxim e afirmam que a região já tem muitos conflitos fundiários e pressão antrópica, com desmatamentos e grilagens de terras, problemas que justificariam, para os empreendedores, mais interferência e impactos.

O asfaltamento da BR163 já começou e com ele o aumento do tráfego; segundo os estudos técnicos da Ferrogrão: “incrementou os acidentes envolvendo a fauna silvestre, as ocorrências de incêndios e a vulnerabilidade a desastres com cargas contaminantes”.

Ora, se a rodovia ao ser apenas recuperada já causa tantos problemas à região o que se esperará então da construção e operação de uma ferrovia em trajeto paralelo e com 54 pátios de manobra no seu curso?

A Amazônia corre perigo, mais uma vez, com o possível licenciamento da Ferrogrão dentro de uma UC e próximo a terras indígenas. Junte-se a isso a penúria dos setores ambiental e fundiário do governo brasileiro já que, conforme informações do ICMBIO, seriam necessários R$ 2,3 bilhões para regularização fundiária dentro das UCs federais no Brasil. O TCU estimou em 102 anos o prazo para a conclusão desse trabalho de regularização, a continuar com a disponibilidade financeira federal demonstrada entre os anos de 2009 e 2012.

Continua na Parte 3, em que mostrarei que o MPF mandou para o processo de concessão da Ferrogrão. Mais sobre as audiências públicas que não foram marcadas nas comunidades que sofrerão os impactos da ferrovia. E ainda, as terras indígenas ao longo da Ferrogrão.

 Leia a parte 1 clicando aqui 

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